Retomada da indústria deve priorizar baixo carbono, inovação e reforma tributária
Confederação Nacional da Indústria apresentou ao novo governo 14 propostas de ações que o setor considera prioritárias para o Brasil iniciar um ciclo de desenvolvimento sustentável
Uma indústria nacional moderna, competitiva, voltada para a inovação e para a sustentabilidade será o alicerce fundamental para a retomada do desenvolvimento econômico e social do Brasil. Empenhada na construção conjunta de políticas e iniciativas para o fortalecimento do setor e, consequentemente, da economia brasileira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou um conjunto de 14 propostas para subsidiar ações do governo federal nos cem primeiros dias da nova gestão.
O documento “Propostas prioritárias para os 100 primeiros dias de governo” destinadas ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) enumera medidas que, quanto mais rapidamente forem implementadas, mais contribuirão para acelerar o crescimento econômico. Algumas são de implementação imediata, e outras, mais complexas, em que as prioridades são a transição para uma economia de baixo carbono e a ampliação dos investimentos, do financiamento, da produção manufatureira, das exportações, da integração internacional e da inovação. Estão reunidos também 19 projetos prioritários em tramitação no Congresso Nacional.
Entre as propostas da CNI estão a implementação de uma política industrial e a aprovação da reforma tributária, que já tem propostas em discussão na Câmara e no Senado.
“Para retomar a trajetória de crescimento da economia nacional, é fundamental que seja planejada e implementada uma moderna política industrial, de acordo com as melhores práticas internacionais, que contemple investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento, com ênfase em tecnologias socioambientais sustentáveis, eficiência energética, geração de energia renovável e digitalização de processos governamentais”, diz o documento.
Para o setor industrial, é fundamental que o país transforme suas vantagens comparativas, como, por exemplo, uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e a maior biodiversidade do planeta, em vantagens competitivas que viabilizem uma maior participação da indústria brasileira no mercado global.
“O fortalecimento da indústria nacional é fundamental para que o Brasil consiga alcançar um desenvolvimento econômico e social sustentável. Para isso, é preciso que o novo governo priorize a elaboração e a execução de uma política industrial de longo prazo.” — ROBSON BRAGA DE ANDRADE, Presidente da CNI
‘Indústria forte é fundamental’
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, destaca a importância de uma política industrial consistente e duradoura para acelerar a retomada da economia.
— O fortalecimento da indústria nacional é fundamental para que o Brasil consiga alcançar um desenvolvimento econômico e social sustentável. Para isso, é preciso que o novo governo priorize a elaboração e a execução de uma política industrial de longo prazo.
O presidente da CNI chama atenção também para o cenário global.
— Uma indústria forte é fundamental para o país enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, pela transformação digital e pela desorganização das cadeias globais de suprimentos, que foram severamente afetadas pela pandemia da Covid-19 e pela guerra na Ucrânia — declara.
Potencial
O Brasil já teve a oitava maior indústria de transformação do mundo, mas vem perdendo força na produção global, que caiu de 2,58% em 2006 para apenas 1,28% em 2021. Também no cenário nacional os índices são preocupantes: o setor industrial chegou a ser responsável por 48% do PIB brasileiro na década de 1980, resultado de políticas públicas que incentivaram investimentos do governo e da iniciativa privada em setores estratégicos como energia, transportes, comunicação, siderurgia, mineração e petróleo.
“A despeito de uma política econômica que pouca atenção dispensou à indústria nacional nas últimas décadas, o setor ainda responde por 23,6% do Produto Interno Bruto (PIB), 71,8% das exportações e 66,4% dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, destaca o documento da CNI.
Retomar o incentivo às exportações e acelerar a integração internacional do Brasil são outros pontos prioritários para o setor industrial.
“Podemos, e devemos, nos preparar para uma inserção mais competitiva de nossa indústria no cenário internacional, enquanto há tempo, e romper com o nosso isolamento observado nas últimas décadas. É tempo de fazer as escolhas certas para não perdermos as janelas de oportunidades que se abrem para o nosso país, de forma inédita, no novo ambiente externo”, alerta o documento.
“Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, temos uma grande disponibilidade de recursos naturais e uma indústria diversificada, pronta para responder aos estímulos de uma política industrial moderna”, destaca a CNI. Nesse sentido, o setor industrial brasileiro chama atenção para a urgência de medidas voltadas para a economia d
Economia verde
Entre as propostas da indústria estão elaborar medidas claras para implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), que permitam ao país cumprir as metas de redução da emissão de gases de efeito estufa firmadas no Acordo de Paris e aprovar a lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, permitindo que o país avance nesse cenário global rumo a uma economia de baixo carbono.
A desconcentração do mercado de gás natural, com mais competitividade para as empresas nacionais, e a modernização do licenciamento ambiental, que combine conservação e desenvolvimento socioeconômico, são outras prioridades apontadas pela indústria.
Também a adoção de novas regras de créditos tributários e de pagamentos de tributos federais está entre as propostas.
“Temos, portanto, muitos desafios a enfrentar. De um lado, aumentar a produtividade e a competitividade da produção nacional. De outro, assegurar um ambiente econômico favorável, com diretrizes políticas adequadas, previsibilidade, boa regulação e governança, fatores essenciais para a segurança jurídica dos empreendimentos que se deseja incentivar, notadamente daqueles financiados com recursos privados. Este documento apresenta as propostas prioritárias para os cem primeiros dias de governo. São medidas importantes e de implementação menos complexa, bem como medidas que, apesar da complexidade, são essenciais para alavancar o crescimento econômico e, por conseguinte, precisam ser iniciadas o mais breve possível”, conclui o documento da CNI.
Precisamos pensar na reforma tributária para corrigir injustiças centenárias. Nós vamos tentar fazer uma proposta de política tributária definitiva neste país. Pode ser que a gente consiga diminuir a burocratização e que faça com que as pessoas paguem sobre lucros e dividendos” — LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, Presidente da República
Reforma irá acelerar crescimento
Fim das distorções do atual sistema de tributos sobre o consumo vai acelerar crescimento econômico e gerar emprego e renda; proposta está pronta no Congresso
Depois de três décadas de idas e vindas, a discussão sobre a reforma tributária teve avanços significativos nos últimos anos e alcançou o nível de maturidade necessário para ser apreciada, votada e aprovada no Congresso Nacional. Será o passo decisivo para eliminar as distorções do sistema de cobrança de tributos sobre o consumo e acelerar a retomada da economia.
— Quanto antes fizermos a reforma, mais cedo vamos colher os benefícios. Há um consenso de que nosso sistema tributário é caótico, repleto de distorções e ineficiências. O principal resultado é que a reforma tem a capacidade enorme de acelerar o ritmo de crescimento econômico. Mais crescimento econômico significa mais emprego, mais renda — resume o gerente de Política Econômica da CNI, Fábio Guerra.
O modelo defendido pela CNI prevê a substituição dos tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI) pelo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que pode ser único ou dual (um federal e outro subnacional, compartilhado entre estados e municípios). Esse modelo está contemplado na PEC 110, emenda constitucional em tramitação no Senado.
Estudo da UFMG que simulou os impactos socioeconômicos da PEC 110 calcula que, após 15 anos com o novo sistema em vigor, o país teria um crescimento adicional do PIB de 12%. Considerando como referência o PIB de 2021, seria um aumento de R$ 1 trilhão na riqueza nacional ou uma renda adicional de R$ 4.800 por ano para cada brasileiro.
O IVA proposto na PEC 110 está alinhado às melhores práticas internacionais. Ao contrário do sistema atual, o novo modelo permite um mecanismo eficiente e justo de débito e crédito, em que a aquisição de bens e serviços gera para o contribuinte um crédito que será abatido em seguida no pagamento do imposto devido.
“Nós queremos aprovar a reforma tributária. Ela é essencial para buscar a justiça tributária e para reindustrializar o país, porque é a indústria que paga hoje quase um terço dos tributos no Brasil e responde por 10% da produção. Então, existe um desequilíbrio muito grande em relação à indústria” — FERNANDO HADDAD, Ministro da Fazenda
Um dos efeitos mais importantes da reforma é a redução da cumulatividade. A ideia é que, ao longo da cadeia produtiva, seja tributado apenas o valor adicionado em cada etapa. Por conta de várias distorções, no atual sistema, esse mecanismo não funciona, e os tributos se sobrepõem.
Estudo da CNI com a LCA Consultores calcula que, por conta do resíduo tributário acumulado no atual modelo, o preço de um bem industrial fabricado no Brasil tem, em média, acréscimo de 7,4%, considerando-se a cobrança de PIS/Cofins, ICMS, IPI e ISS.
“Temos obviamente um compromisso com reformas que ainda estão pendentes, uma delas é a reforma tributária. Eu considero que deve ser prioridade do Congresso Nacional (…) Nós temos um sistema de arrecadação que precisa ser desburocratizado e com mais justiça social”
— RODRIGO PACHECO, Presidente do Senado
O economista destaca que é fundamental que o IVA respeite algumas características, como a desoneração completa de exportações e investimentos. Com isso, aumenta a competitividade dos produtos industriais brasileiros tanto no exterior quanto internamente frente aos importados.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, reforça a urgência da aprovação da reforma tributária:
— Temos um inédito consenso nacional e discussões maduras do ponto de vista técnico e político no Congresso Nacional. Não podemos continuar a perder oportunidades, porque é a população quem mais perde.
A necessidade de reformar o sistema tributário brasileiro é matéria unânime. Todos concordam que a complexidade do nosso arcabouço de impostos, taxas e contribuições é uma âncora que trava o crescimento do país”
— ARTHUR LIRA, Presidente da Câmara
Brasil tem potencial para liderar agenda verde mundial, mas falta regulação
Especialistas dizem que, para isso, país precisa avançar nos instrumentos para reduzir emissão de gases do efeito estufa, como o mercado regulado de carbono
Em 2015, no Acordo de Paris, o Brasil assumiu uma série de compromissos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, que foram revisados em 2020 e 2022, mas até agora não está claro como essas metas serão alcançadas. O país tem uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, mas ainda não está entre os protagonistas no processo de descarbonização mundial. A criação de um mercado regulado pode pavimentar esse caminho. Esse instrumento é um exemplo de desafio do Brasil no caminho para a economia verde, embora tenha progredido em muitos pontos. Em comparação com o resto do mundo, a indústria brasileira está entre as mais sustentáveis, tendo em vista sua baixa intensidade de carbono. O setor vem investindo, de forma exponencial, em modelos limpos de produção.
A agenda sustentável é ponto central no plano de ações da CNI para os cem primeiros dias de governo. Uma das propostas é estabelecer, em conjunto com a indústria e os demais setores da sociedade, e comunicar claramente as medidas para o cumprimento das metas de redução de emissões apresentadas pelo Brasil na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Também é imprescindível regular e estruturar o mercado de carbono.
— É fundamental que o país defina um plano de implementação da NDC, com medidas específicas, e que comunique adequadamente esse plano, envolvendo toda a sociedade, não apenas pela transparência, mas pela necessidade de uma governança mais robusta. Isso permitirá que os diferentes setores econômicos e partes envolvidas contribuam para a implementação dos compromissos e cobrem do governo as ações necessárias para a redução de emissões de gases de efeito estufa — afirma a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg.
Segurança jurídica
Diretor do Instituto Amazônia+ 21 e presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Marcelo Thomé cobra a regulamentação do mercado de carbono:
— Essencialmente, acho que o principal elemento que impede o avanço do mercado de carbono no Brasil é a ausência de uma legislação que traga segurança jurídica, transparência e previsibilidade da qualidade dos projetos gerados no âmbito do Sistema de Comércio de Emissões.
Para Bernardo Gradin, fundador e CEO da empresa GranBio e integrante do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), é preciso que estejam claros os papéis no poder público:
— Falta definir quem no governo vai liderar essa agenda estratégica e a narrativa nacional, o ideal é que fosse o próprio presidente. Outro ponto essencial é a inclusão do Brasil entre os países mais relevantes na dinâmica do fluxo global dos mercados regulados de carbono.
Mônica Messenberg destaca que as receitas mundiais com precificação de carbono, em 2021, cresceram cerca de 60% em relação a 2020, chegando a US$ 84 bilhões, e foram importante fonte de financiamento para apoiar a transição para uma economia de baixo carbono.
— A implantação de sistemas de precificação tem se intensificado em diversos países e na América Latina, em especial no México e na Colômbia, mas o Brasil precisa avançar nessa agenda. É preciso se posicionar de forma proativa e aproveitar o enorme potencial que tem. É fundamental que o Congresso Nacional avance na regulação do mercado de carbono n
Inovação é ponto central da retomada
Plano propõe política nacional com foco em pesquisa e desenvolvimento voltada à indústria e capaz de tornar a economia mais digital, sustentável e inclusiva
O Brasil investia, em 2019, 1,21% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. É o dado mais recente, produzido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em Israel, segundo a consultoria Macke, o percentual é de 4,93%. Na Coreia do Sul, 4,64%. Nos Estados Unidos é de 3,07% e na China, 2,23%. A média da União Europeia está em 2,3%. Sinal de que os países mais avançados do mundo dedicam investimentos em pesquisa e desenvolvimento, avalia Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.
Sinal de que os países mais avançados do mundo dedicam investimentos em pesquisa e desenvolvimento, avalia Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.
— O Brasil tem a 10ª maior economia do mundo ainda assim ocupa uma posição desproporcional no Global Innovation Index — comenta, fazendo referência ao levantamento realizado pela World Intellectual Property Organization (WIPO), uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que, em 2022, colocou o país em 54º lugar.
Como aponta Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), num cenário de grande dinamismo global, em que inovar é crucial para garantir espaço no ambiente produtivo, o Brasil é pressionado a se reinventar.
— A inovação acontece quando se transforma conhecimento em riqueza. E só se alcança esse objetivo com apoio na ciência, que, por sua vez, só se fortalece em uma sociedade de forte base educacional. E assim se cria um ciclo virtuoso, que produz desenvolvimento econômico e social.
Eficiência energética
É nesse contexto que o Plano de Retomada da Indústria da CNI recomenda que seja estruturada uma Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação CT&I, articulada à política industrial e capaz de tornar a economia brasileira mais digital, sustentável e inclusiva.
A proposta é priorizar atividades público-privadas capazes de articular ações concretas aptas a reduzir o atraso na evolução da capacidade nacional de inovar, aperfeiçoando e financiando mecanismos de incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação.
— Podemos nos posicionar como a Arábia Saudita da energia renovável. Mas não só: nossa energia limpa, que será muito mais barata do que a dos nossos competidores diretos, pode impulsionar o rejuvenescimento de nossa estrutura industrial, levando assim a descarbonização para toda a cadeia — argumenta Lucchesi.
É por isso que a CNI propõe criar o Programa de Eficiência Energética na Indústria, que levaria em consideração experiências exitosas da entidade, assim como do Serviço Social da Indústria (Sesi).