As notas fiscais obtidas por cooperativas e catadores ao entregarem os produtos coletados para reciclagem poderão ser convertidas em uma espécie de título de direito de propriedade
O governo lançará um programa para permitir que empresas comprem créditos de reciclagem em vez de implementarem sistemas próprios de logística reversa de resíduos, informaram à Reuters duas fontes envolvidas na elaboração da medida, argumentando que a iniciativa trará benefícios ambientais, além de reduzir custos desses serviços e ampliar a renda dos catadores.
Pelo desenho do programa, as notas fiscais obtidas por cooperativas e catadores ao entregarem os produtos coletados poderão ser convertidas em uma espécie de título de direito de propriedade. O setor privado será autorizado a comprar esses papéis para contabilização do cumprimento das exigências de reciclagem previstas em lei, em lógica semelhante à do já difundido mercado de carbono.
Norma federal obriga fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes a implementarem sistemas próprios de logística reversa –mecanismo para que o lixo tenha destinação ambientalmente adequada, com as empresas assumindo responsabilidade sobre as mercadorias que forem comercializadas e, eventualmente, descartadas pelos consumidores.
Estimativa do Ministério da Economia aponta que mais de 240 mil empresas têm hoje essa obrigação, embora as fontes da pasta argumentem que o índice de descumprimento da regra é elevado.
Com o novo sistema, cooperativas e catadores farão cadastro no Ministério do Meio Ambiente, registrando as notas fiscais dos resíduos vendidos às companhias de reciclagem. O ministério fará checagem das operações e emitirá certificados, que poderão ser comprados das mãos de catadores e cooperativas por empresas.
Após essa etapa, as companhias apresentarão os certificados ao governo, que seguirá com procedimento de checagem de que as metas de logística reversa foram cumpridas.
“Uma empresa, por exemplo, que tem uma obrigação de reciclagem de nove toneladas de alumínio, no lugar me montar uma estrutura de reciclagem, liga para uma recicladora e compra o direito vinculado à nota fiscal dos resíduos já coletados. É um valor intangível associado à venda do produto físico, o que cria um valor extra à reciclagem”, explicou a fonte, que falou sob condição de anonimato.
De acordo com o membro da pasta, o valor a ser pago para a aquisição dessas notas dependerá do tipo de produto e do volume, com os preços estabelecidos pelo próprio mercado. A expectativa é que o crédito relacionado a itens menos coletados atualmente, como vidro e baterias, seja mais caro.
De acordo com as fontes, a medida está pronta para edição e deve ser anunciada em conjunto com outras propostas de estímulo econômico. O instrumento para implementar o projeto é um decreto, que não depende de aprovação do Congresso.
Pelo plano, o sistema também poderá ser usado no setor público. Será permitido que uma prefeitura, por exemplo, desenvolva sistema próprio de reciclagem e venda os créditos ao setor privado.
Segundo esse membro da pasta, quando o mercado estiver avançado, será possível desenvolver um mecanismo de antecipação de recebíveis. “Se tiver um fluxo de compra mensal de créditos da cooperativa, será possível fazer antecipação de recursos”, disse a fonte.
Apresentação produzida pelo Ministério da Economia sobre a proposta e obtida pela Reuters afirma que, no formato atual, o custo de manter um sistema próprio de logística reversa fica entre 9% e 15% do faturamento de uma empresa.
Segundo os dados reunidos pelo ministério, o Brasil produz 67 milhões de toneladas de resíduos sólidos anualmente, com taxa de reciclagem variando entre 3% e 5%. O desperdício estimado pela pasta por conta da não reciclagem é de 3 bilhões de reais ao ano.
De acordo com uma das fontes envolvidas no projeto, países da Europa, como Espanha e Inglaterra, já adotam sistemas semelhantes ao que o governo brasileiro vai lançar. O objetivo, segundo ele, é atingir no Brasil uma taxa de reciclagem de 70% em 20 anos.
Na área social, o ministério estima que o novo programa tem potencial para incrementar em 25% a renda dos catadores, que possuem hoje média salarial de 930 reais. Atualmente, há mais de 800 mil catadores de materiais recicláveis no país e 1.100 cooperativas, segundo dados da pasta.
Em relação aos possíveis ganhos às empresas, o ministério espera que haja uma forte redução de gastos, com o custo médio de retorno de uma tonelada de embalagens ficando em cerca de 350 reais, 81% a menos que a despesa média estimada para a logística reversa própria.
Procurado, o Ministério da Economia disse que não comenta medidas ainda em análise. O Ministério do Meio Ambiente não respondeu de imediato.